No século XX, os maiores vencedores do mundo corporativo americano construíram seu sucesso com concreto, aço e bens físicos. Seus balanços patrimoniais estavam repletos de fábricas, máquinas e armazéns.
Hoje, o quadro se inverteu. Aproximadamente 90% dos ativos por trás das gigantes do S&P 500 são intangíveis, coisas que não se pode tocar, mas que podem valer bilhões: propriedade intelectual, software, valor da marca, patentes, dados, talento criativo e know-how.
Essa revolução silenciosa ajuda a explicar três grandes temas que definem o mercado de ações dos EUA atualmente: (1) concentração de mercado sem precedentes, (2) domínio dos EUA sobre outros mercados globais e (3) valorizações que podem parecer altas.
O ponto de inflexão ocorreu no final da década de 1990, quando as empresas americanas começaram a investir mais em intangíveis do que em ativos físicos. Desde então, a diferença só aumentou. De acordo com a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), os gastos dos EUA com ativos intangíveis chegaram a USD 4,7 trilhões no ano passado, quase o dobro do que a França, a Alemanha, o Reino Unido e o Japão gastaram juntos.
Por que isso importa? Os ativos intangíveis têm uma economia muito diferente. Depois de criados, eles podem ser replicados a um custo quase nulo. Como afirma Kai Wu, da Sparkline Capital: “Depois que o código é escrito, produzir unidades adicionais de software não custa nada”.
Essa escalabilidade cria uma dinâmica em que o vencedor leva tudo. O ecossistema da Apple, o iOS, a App Store e o iCloud reforçam o domínio do iPhone e mantêm os rivais à distância.
Os pioneiros neste espaço crescem rapidamente, construindo barreiras competitivas. Uma pesquisa da McKinsey mostra que, entre 2011 e 2019, apenas 5% das empresas americanas geraram 78% de todo o crescimento positivo da produtividade. Essas empresas superestrelas agora dominam não apenas seus setores, mas o próprio mercado de ações.
Hoje, as 10 maiores empresas representam 40% do valor de mercado do S&P 500 e um terço de seus lucros. A maioria são os chamados “7 Magníficos”, ações de empresas de tecnologia: Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon, Meta, Nvidia e Tesla. Suas fortunas são construídas com base em códigos, algoritmos, plataformas e, cada vez mais, inteligência artificial.
Os efeitos de rede amplificam esse domínio. O mercado da Amazon se torna mais valioso a cada novo comprador e vendedor. O mecanismo de busca do Google melhora à medida que mais pessoas o utilizam. Esses ciclos de feedback são combustível para a concentração do mercado.
Os intangíveis também explicam por que os mercados dos EUA têm superado seus pares globais. O índice MSCI dos EUA tem uma ponderação muito maior em tecnologia e saúde, setores que prosperam com ativos intangíveis, em comparação com os benchmarks internacionais, que são mais inclinados para bancos, fabricantes e materiais.
Essa diferença na composição setorial levou a grandes disparidades em termos de crescimento, rentabilidade e valorizações. Mesmo quando as grandes empresas de tecnologia gastam bilhões em centros de dados, essas instalações são apenas um meio de criar mais ativos intangíveis, como modelos de IA, ferramentas de software e dados proprietários, e não um retorno à economia de ativos físicos.
Enquanto as empresas americanas mantiverem a liderança em dados, talentos e plataformas, essa vantagem sobre a Europa e outros mercados desenvolvidos provavelmente persistirá, se não aumentar.
De acordo com medidas tradicionais, o S&P 500 parece caro. Os índices preço/lucro e preço/valor contábil estão em níveis historicamente altos. Mas há um porém: as regras contábeis tratam a maioria dos investimentos intangíveis como despesas, e não como ativos (a menos que sejam adquiridos em uma aquisição). Isso faz com que as empresas com grande peso de ativos intangíveis pareçam mais caras do que realmente são.
A OMPI estima que os ativos intangíveis não mensurados nos EUA valiam cerca de USD 2,7 trilhões no ano passado. Se fossem incluídos no PIB e nas contas das empresas, a sobrevalorização percebida das ações americanas poderia diminuir em 25% a 50%, de acordo com a Sparkline Capital.
Isso não significa que o mercado esteja barato, mas sugere que os principais indicadores de valorização podem estar exagerando a efervescência.
O mercado de ações dos EUA não está sendo impulsionado apenas pela especulação, liquidez ou política. Sua forma reflete a economia da era do intangível, em que software, redes, dados e propriedade intelectual podem gerar um crescimento desproporcional e proteger a participação no mercado.
A liderança de mercado pode permanecer restrita por um longo tempo, à medida que essas empresas impulsionadas por intangíveis continuam a colher os benefícios da escala e dos efeitos de rede.
Compreender a ascensão da economia intangível pode fazer com que o mercado americano atual pareça menos uma bolha e mais o resultado lógico de um novo tipo de poder corporativo.
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