Esta semana, a falsa narrativa que queremos contestar é o tema da inflação. É difícil deixar passar essa questão, que agora está cada vez mais fazendo parte do dia a dia de todos, além de impactar significativamente os mercados de investimentos. Depois de permanecer praticamente adormecida no mundo desenvolvido nos últimos 30 anos, a inflação rapidamente atingiu seu nível mais alto desde a década de 1980, pegando de surpresa governos, bancos centrais e consumidores comuns.

Grandes setores da população do mundo desenvolvido enfrentam agora uma “crise de custo de vida”, pois suas rendas não acompanham a inflação na energia, alimentos e outras despesas de vida. A situação enfrentada por aqueles de renda média e baixa no mundo em desenvolvimento é ainda pior, com riscos reais de que muitos não consigam comprar alimentos e outras necessidades básicas.

A inflação alta é uma má notícia para todos.

Compreender a causa da inflação atual é, portanto, muito importante. O mal entendimento de suas causas é arriscado, pois podemos adotar políticas erradas em resposta a isso, exacerbando o problema. Os riscos são altos.

Isso nos leva a nossa terceira “falsa narrativa”, que acreditamos ser fundamental desmascarar, dada a ameaça imediata aos meios de subsistência e às vidas representada pela inflação atual.

Essa falsa narrativa é mais ou menos assim: a invasão não provocada da Ucrânia pela Rússia é a principal causa da alta inflação atual. Ambos os países são grandes exportadores de commodities, especialmente de energia e alimentos. Como a guerra continua a interromper o fornecimento dessas commodities para o mercado global, os preços aumentaram e permanecerão elevados até o fim da guerra. Dado que essa guerra é, em última análise, responsabilidade de um homem (Vladimir Putin) e sua ideologia obscena, e a guerra causou a inflação, então, em última análise, essa inflação é culpa dele. Se ele não tivesse invadido a Ucrânia, a inflação ainda seria baixa e estável, e poderíamos continuar com nossas vidas. Entende-se, portanto, que, se a guerra terminar, consequentemente a inflação diminuirá de forma significativa e, potencialmente, deixará de ser um problema.

Essa narrativa está pura e simplesmente errada. O fato de o governo Biden repetir descaradamente essa narrativa para ganho político é, falando gentilmente, ultrajante e sintomático de uma presidência que saltou de uma crise para outra, sem nunca assumir a responsabilidade. Mas essa é uma discussão para outro dia.


A tarefa que temos nas mãos é entender de onde vieram os atuais altos níveis de inflação. Foi culpa de Putin? Bem, vejamos os números. Os níveis de inflação permaneceram em 1%-2%, ou muito próximos disso, nos EUA e na Europa durante quase 30 anos antes da chegada da pandemia de 2020. Muitos economistas, líderes políticos e líderes de bancos centrais concluíram que a inflação baixa era um elemento permanente da atual economia moderna.

Mas isso começou a mudar em 2021. As taxas de inflação dos EUA aumentaram mais de 4% em abril de 2021, o índice mais alto desde 2008. E a inflação continuou aumentando, estando bem acima de 5% em julho de 2021, chegando a 6% em outubro e atingindo 7% no final do ano (os índices mais altos em 30 anos).

A invasão em grande escala da Ucrânia pela Rússia começou em 24 de fevereiro de 2022.

A inflação já estava atingindo seus níveis mais altos em décadas antes do início da invasão. Sim, as taxas de inflação continuaram subindo desde então, superando os 9% em junho deste ano. E, sim, os preços mais altos de alimentos e energia como resultado da guerra são de certo modo um fator que contribui para os níveis atuais de inflação.

Mas, e este é o ponto crítico, a guerra não foi a causa da alta inflação. Já tínhamos um sério e crescente problema de inflação antes do início da guerra. Tudo o que a guerra fez foi exacerbar uma inflação pré-existente. O fim da guerra, portanto, não resolve necessariamente o problema subjacente da inflação.


O que, então, causou esse ciclo inflacionário? O pior desde a inflação dos anos 1970-1980.

Em resposta à pandemia, os bancos centrais do mundo imprimiram muito dinheiro. A impressão de dinheiro, pelo menos historicamente, tem sido inflacionária. Cerca de 30% dos dólares em circulação hoje no sistema financeiro global foram impressos nos últimos dois anos. Poderíamos argumentar que não é coincidência que muitos dos números da inflação de dois anos para ativos como moradia, ou mesmo bens de consumo pessoal, como carros ou comer fora, viram os preços aumentarem cerca de 30%. Todo aquele dinheiro novo tinha que encontrar um lugar para ir.

Então, com a recuperação econômica da pandemia de COVID já em andamento no ano passado, os mercados de trabalho no mundo desenvolvido rapidamente se aproximaram do pleno emprego. A escassez de mão de obra já estava se tornando um problema em alguns setores da economia no início do ano passado. Nessa economia aquecida com capacidade limitada de aumentar a oferta, o governo dos EUA decidiu injetar um estímulo fiscal de US$ 1,9 trilhão (financiado com dívida e impressão de dinheiro pelo banco central dos EUA). Aumentando ainda mais uma economia já quente perto da capacidade total.

Os principais bancos centrais, liderados pelo Federal Reserve dos EUA, chegaram tarde demais em sua resposta a tudo isso. A jogada de costume para reduzir a inflação em uma economia aquecida é aumentar as taxas de juros. O “timing” disso é crítico, se demorar a inflação pode sair do controle pois ela começa a mudar as expectativas dos participantes econômicos. Se as pessoas começarem a pensar que a inflação permanecerá alta, exigirão salários mais altos e mudarão seus hábitos de consumo, fortalecendo a inflação por mais tempo e criando um “ciclo inflacionário”. A melhor resposta para isso é que os bancos centrais aumentem as taxas de juros antecipadamente.

Infelizmente, os bancos centrais se atrasaram para a festa novamente; liderados pelo Fed, que manteve as taxas em seus níveis mais baixos da história até 2021, continuando efetivamente a estimular a economia por meio da política monetária, apesar do aumento mais rápido da inflação nos EUA em mais de 40 anos. Esta resposta complacente está nos custando caro agora.

O excesso de estímulo em uma economia aquecida, seguido por uma resposta lenta dos bancos centrais, provavelmente foi também a causa do ciclo de inflação dos anos 70.

Sempre tentamos terminar estas mensagens com uma observação otimista, mas, infelizmente, neste caso, a mensagem é de má gestão econômica causando alta inflação, com os líderes políticos do Ocidente se recusando a assumir a responsabilidade e passando a bola adiante.

Esperemos que a resposta tardia dos bancos centrais para combater a inflação funcione. Vimos que os preços de commodities e outros insumos caíram significativamente em relação às altas dos últimos meses, e isso pode indicar que uma queda da inflação estaria chegando em breve. Mas os investidores também devem estar preparados para que a inflação continue sendo um problema por mais tempo do que esperado, pois a história nos mostra que esses ciclos de inflação podem, às vezes, continuar.

O truque aqui é focar os investimentos em ativos onde a inflação, alta ou baixa, não é uma questão importante para o valor a longo prazo daquilo em que se está investindo. Seguimos pensando que os negócios de alta qualidade, em crescimento, negociados a valores razoáveis, oferecem um porto seguro para os investidores esperarem esta tempestade passar.

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